quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O Espiritismo e a Universidade: condições necessárias mas não suficientes

O Espiritismo é a única doutrina espiritualista que não foi desenvolvida a partir dos esforços de uma única pessoa ou único grupo de pessoas. Ele constitui-se no ensinamento das vozes do além que, ao mesmo tempo, chamaram a atenção para a existência do mundo espiritual e apresentaram as leis que o regem. As vozes fizeram presença em toda parte mostrando a Kardec que elas não estão circunscritas a nenhum grupo ou local em especial. Esse caráter universal do Espiritismo o torna imune contra qualquer tentativa de torná-lo "doutrina para iniciados" pois onde quer que existam pessoas, as vozes poderão aí estar levando a sua mensagem.


Foi necessário, porém, que alguém com elevada capacidade intelectual e moral, pesquisasse e codificasse todos esses ensinamentos para que pudesse ser melhor apreendido por todos os que se interessassem. Mas, curiosamente, as vozes ao invés de aproveitarem o prestígio que o sobrenome Rivail detinha como educador e cientista, junto às academias de ciência da época, elas sugeriram que as obras destinadas à divulgação da nova doutrina fossem assinadas com um nome até então desconhecido: Allan Kardec. Dessa forma, vemos que as vozes não sugeriram que o Espiritismo nascesse no interior das cátedras, com o brilho que as modernas teorias de até então detinham, mas sim que ele nascesse como uma humilde mas verdadeira doutrina. Isso nos lembra a humildade de Jesus que sendo o maior entre nós preferiu a manjedoura para iniciar seus passos no nosso mundo. Queriam as vozes que os futuros leitores buscassem o Espiritismo não por causa do prestígio de Rivail mas, pelo simples interesse no assunto.


Nos dias de hoje, muita coisa mudou desde a publicação da primeira edição de O Livro dos Espíritos, em 1857. A ciência desenvolveu novos paradigmas sobre a realidade e a tecnologia atingiu níveis inimagináveis. O ser humano vive mais tempo, em média, e com maior qualidade de vida, no sentido material. Porém, no campo moral, o nível evolutivo da humanidade não difere muito do da época de Kardec, deixando ainda muito a desejar. O desenvolvimento dos direitos humanos, por exemplo, mostra que já temos algum progresso no campo moral mas ainda estamos longe do nível satisfatório que o progresso material atingiu. Sabemos estirpar o tumor que ameaça o equilíbrio orgânico mas não sabemos como eliminar o "câncer" de orgulho e egoísmo que mutila a alma e gera tanta dor e miséria, estando na raiz de todos os males e problemas do nosso mundo.


Um dos objetivos do Espiritismo é ajudar o Homem a retomar o caminho ensinado, em essência, por todas as religiões. Ao mostrar que o amor e a fraternidade são leis tão naturais quanto aquelas que fazem uma maçã cair ao chão, o Espiritismo desmistifica os ensinamentos cristãos tornando-os inteligíveis à todo aquele que busca "algo mais" além da matéria. E, em face do atraso moral de nossa humanidade, existe uma certa urgência na sua transformação para o bem. Assim, tudo o que contribuir para o despertar do ser humano para as necessidades morais será muito bem vindo e terá, com certeza, o apoio daquelas mesmas vozes que iniciaram o processo de codificação.


Isso posto, vamos discutir uma questão que a mais de 10 anos [1] tem sido levantada por alguns irmãos da seara espírita. Se trata da ligação do Espiritismo com a instituição conhecida como Universidade. Existem opiniões divergentes dentre os irmãos espíritas. Alguns defendem fortemente a inserção do Espiritismo na Universidade como disciplina acadêmica e tópico de pesquisa [2], enquanto outros, sem discordarem de forma absoluta, levantam questionamentos importantíssimos para uma análise das possíveis consequências dessa idéia [1]. Por exemplo, o que significaria um título acadêmico em Espiritismo? Um doutor em Espiritismo será melhor do que um espírita sem o título? Sabemos que não. Mas, por outro lado, o reconhecimento do conteúdo espírita como tema de estudo legítimo nas Universidades não ajudaria a promover a divulgação da Doutrina Espírita? Não elevaria o valor da mesma perante os olhos da sociedade? Essas questões não são fáceis de responder. De fato o interesse intelectual pelo Espiritismo cresceria o que não garante, em princípio o interesse na prática moral elevada, mas isso já seria um avanço. Pretendemos discutir a idéia de que essas consequências positivas para o aumento do interesse no Espiritismo não são condições suficientes que justificariam uma certa ênfase e ansiedade nessa inserção do Espiritismo nos meios acadêmicos. Não discordaremos em absoluto dos que defendem essa inserção mas lembraremos de alguns outros cuidados necessários para que essa não venha a se tornar uma empreitada destinada ao fracasso, como muitas outras na história das religiões.


O primeiro detalhe importante que os interessados nessa inserção não devem esquecer é que o Espiritismo, que é uma doutrina bem estabelecida, não necessita dessa inserção para sua sobrevivência. O Espiritismo representa o ensinamento das vozes que estão por toda a parte ajudando o ser humano a se lembrar dos seus deveres cristãos. Se um dia todos os livros espíritas forem queimados elas, as vozes, poderão ditar outros e o trabalho nunca ficará totalmente perdido.


O segundo detalhe é que os fins não justificam os meios. Quem quer que use a bandeira espírita em nome de qualquer projeto, seja de inserção do Espiritismo nas Universidades, ou seja o que for, deve ser o primeiro a dar o exemplo da doutrina que professa. Um desses exemplos é a forma pela qual o companheiro que pensa diferente é tratado e, particularmente, como o companheiro espírita que pensa diferente é tratado.


O terceiro detalhe e, talvez, o mais importante é que antes de defender o estudo e pesquisa da Doutrina Espírita nos meios acadêmicos, deve o pesquisador espírita ter consciência de como a tem vivenciado dentro e fora desse ambiente. De que adianta a defesa de teses brilhantes relacionadas ao Espiritismo se nossos atos desmentem, logo em seguida, a essência dos seus ensinamentos? Como sabemos que já existem vários irmãos espíritas que já defenderam teses e dissertações sobre temas relacionados com o Espiritismo, esclarecemos que o questionamento acima não é nenhuma crítica particular a ninguém, mesmo porque este autor não conhece pessoalmente nenhum deles.


O questionamento acima é ponto básico para que o verdadeiro ideal não seja esquecido em nome de “ver” o Espiritismo divulgado nos paineis e seminários dentro das Universidades.


O primeiro esforço deve ser o da reforma íntima sem a qual nenhum projeto, por mais nobre e dignificante que seja, não conseguirá ir adiante.


Um outro ponto que precisa ficar claro é que o jovem espírita que esteja iniciando a sua carreira acadêmica não deve se sentir na obrigação de ter que trabalhar em alguma tese ligada ao Espiritismo. O jovem espírita não deve se sentir envergonhado se seu trabalho de tese não tem ligação com o Espiritismo. O jovem espírita, como nenhum outro jovem, não pode correr o risco de iniciar um projeto "às escuras", mal preparado e sem perspectiva de resultados sob pena de prejudicar seu futuro profissional e, por conseguinte, sua influência como espírita no meio acadêmico. Apenas se o jovem espírita encontrar um orientador com interesse real e competência suficiente para propor ou formular um bom projeto de pós-graduação em tema espírita é que ele pode aceitar se assim desejar.


Que fique bem claro que o fato de uma tese ser espírita não torna o autor especial ou melhor do que os outros. E, muito pelo contrário, o fato de uma tese não ser espírita não torna o autor espírita pior ou menos especial que ninguém. É importante que esse tipo de julgamento não seja feito porque viola os ensinamentos cristãos e, portanto, é atitude anti-doutrinária. Muitas vezes uma boa tese em assunto não-espírita pode levar o autor a ter oportunidades futuras em posições de maior destaque onde, como espírita, ele ou ela poderá fazer muito pela divulgação do Espiritismo.


É preciso buscar o ponto de equilíbrio sobre a questão da falta de “coragem moral”. Ao mesmo tempo que devemos dar exemplos de nossa crença, não devemos “jogar pérolas aos porcos”. A insistência com projetos espíritas que não sejam bem consistentes pode levar ao descrédito do pesquisador e do movimento espírita.


Em resumo, concordamos que uma condição necessária para um progresso na divulgação do Espiritismo junto à sociedade seja a sua inserção nas Universidades através de projetos de pesquisa, teses e cursos. Mas essa condição não é suficiente para o sucesso na divulgação espírita. É preciso que o pesquisador espírita busque ser espírita dentro e fora da Universidade. Que o estudante e o professor espíritas vivenciem o Evangelho dentro e fora dos ambientes acadêmicos.


O Espiritismo na universidade pode até ser necessário como mais um “ajudante” no progresso moral da Humanidade mas, com certeza, não é condição suficiente para isso. O livro O Evangelho Segundo o Espiritismo explica bem o porquê.


REFERÊNCIAS

[1] A. P. Chagas, O Espiritismo na Academia? (1994), Revista Internacional de Espiritismo Fevereiro, p. 20; Março, p. 41.
[2] D. Incontri, O Espiritismo na Universidade (2003), Boletim do GEAE 467, http://www.geae.inf.br

PUBLICADO NO JORNAL ALAVANCA, 490

DE MARÇO DE 2004, PÁGINA 3.


Instituto de Física da Universidade de São Paulo

São Paulo, S.P.

afonseca@if.usp.br

Universidade Espírita: Docentes Espíritas

Por Alexandre Fontes da Fonseca
afonseca@if.usp.br

Em matérias anteriores [1,2] tivemos a oportunidade de comentar a respeito de alguns aspectos doutrinários e profissionais em torno da questão Espiritismo e Universidade. Em [1] discutimos a importância da vivência dos ensinamentos de Jesus como o principal ingrediente para que qualquer projeto espírita venha a ter sucesso. Em [2] comentamos o outro lado dessa questão onde ao invés da idéia de inserção do Espiritismo nas Universidades já bem estabelecidas, temos grupos espíritas criando Universidades Espíritas a se inserirem na Sociedade. Comentamos a necessidade da Universidade Espírita em se dedicar não somente aos estudos e pesquisas espíritas mas, também, ao ensino e pesquisa usuais, isto é, sobre assuntos científicos de caráter normal, sem aplicações espíritas. É através desses trabalhos que a Universidade Espírita despertará a atenção da sociedade como instituição séria e de respeito, o que favorecerá a divulgação das pesquisas de interesse espírita.



Ao desenvolver o assunto, um detalhe muito importante permaneceu sem discussão. Se trata dos componentes de uma Universidade Espírita. Já comentamos, em [2], que para realizar serviços mais gerais, de ordem administrativa de menos importância e de manutenção dos prédios e equipamentos, não é necessário que os funcionários destinados a estas funções sejam espíritas. Comentamos, também, que a Universidade Espírita precisa ter docentes e pesquisadores com experiência acadêmica. Como em toda instituição espírita séria, a diretoria de uma Universidade Espírita precisa ser formada por espíritas e os seus estatutos precisam resguadar o interesse espírita sob pena de desviar o projeto de seus objetivos iniciais.



Porém, ainda temos uma questão que precisa ser bem analisada antes de se tomar uma postura definitiva. Deve a Universidade Espírita só admitir docentes e pesquisadores que sejam espíritas? Vamos aqui apresentar vantagens e desvantagens, bem como alguns riscos e dificuldades que essa questão apresenta. Não apresentaremos conclusões pois é preciso que mais idéias sejam apresentadas e outros pontos de vista analisados.



DOCENTES ESPÍRITAS



Uma vantagem da contratação, apenas, de docentes espíritas é o fato de que os aspectos doutrinários e morais da vivência cotidiana dentro da universidade serão praticados muito mais em acordo com o Espiritismo do que se os mesmos não forem espíritas. Uma outra vantagem é a natural motivação para realizar pesquisas de interesse espírita. O docente espírita (aquele que teve formação acadêmica profissional) também se dedicará à pesquisa de interesse científico usual pois ela elevará o status da Universidade Espírita e atrairá recursos financeiros para futuras pesquisas. Como comentado em [1], o ambiente acadêmico abriga sentimentos desequilibrantes de orgulho e egoísmo e se isso é motivo de provação para os profissionais cientistas espíritas, a Universidade Espírita, como pessoa jurídica, deve se esforçar para minimizar, ao máximo, tais sentimentos, sob pena de vermos afastar de nós os amigos do plano superior. Nenhum de nós e nenhuma instituição tem o direito de exigir de ninguém a busca pela reforma íntima mas como nós espíritas temos consciência da importância disso, é natural que docentes espíritas busquem pautar seus atos pelo Evangelho.



Uma dificuldade atual que acreditamos irá reduzir com o tempo, é que o percentual de cientistas espíritas ainda é relativamente reduzido. Por cientista espírita estamos querendo dizer os cientistas que obtiveram ou estão obtendo titulação e formação em nível de pós-graduação nas Universidades bem estabelecidas e que estão trabalhando com pesquisa dentro de suas áreas de estudo. Outra dificuldade para a Universidade Espírita (mas não para o movimento espírita) é que, em geral, estes profissionais buscam se empregar em centros de pesquisa de excelência para poderem continuar suas atividades científicas. Isso nos leva a pensar que uma Universidade Espírita deve preparar uma estratégia, a médio e longo prazo, de atração e contratação de doutores para compor o seu quadro de pesquisadores. Ela deve também criar condições de infra-estrutura comparáveis às que as Universidades públicas possuem, de modo a não sobrecarregar o docente com muitas aulas, permitindo que ele(a) se dedique ao trabalho de pesquisa. Uma idéia interessante seria incentivar os atuais professores da Universidade Espírita a fazer cursos de doutorado junto às instituições de prestígio de modo a elevar o nível de titulação de seus professores e iniciá-los em uma linha de pesquisa material de interesse científico nacional e internacional.



Essa proposta, logicamente, requer a captação de recursos financeiros substanciais e isso é uma dificuldade natural que o movimento espírita possui. Os grupos e/ou fundações que estão por trás da manutenção das Universidades Espíritas devem formular estratégias que permitam, mesmo que aos poucos, a construção dessa infra-estrutura mencionada no parágrafo anterior.



Sempre existirá um risco de algum docente espírita deixar de sê-lo por diversas razões como tem acontecido com médiuns e pessoas conhecidas. Porém, além disso ser algo pouco comum, é possível minimizar essa possibilidade através da contratação de companheiros que tenham sólido conhecimento doutrinário e alguma experiência em atividades doutrinárias ou assistenciais nas casas espíritas.



DOCENTES NÃO-ESPÍRITAS



Uma vantagem no investimento em contratar professores doutores não-espíritas é o fato de se poder compor um quadro inicial de docentes num curto espaço de tempo já que existe um número elevado de doutores sem emprego. Eles certamente trarão suas experiências acadêmicas para o ambiente da Universidade Espírita mas a grande dúvida é como eles se portarão diante dos objetivos espíritas da mesma. Assim, o interesse nos estudos e pesquisas espíritas será reduzido e, logicamente, isso não é positivo para a Universidade Espírita. Desde que a figura de um professor é de grande importância para os alunos, professores não-espíritas passarão apenas seus valores particulares e mesmo sabendo que existem muitas pessoas boas que não são espíritas, sempre existirão alguns cujos valores pessoais são contrários aos ensinamentos espíritas.



DIREÇÃO DA UNIVERSIDADE ESPÍRITA



Para finalizar a nossa discussão, vamos ainda lembrar um importantíssimo aspecto da direção de uma universidade. Excetuando-se os grupos privados que detém os direitos e bens associados às suas faculdades e universidades privadas, uma Universidade Espírita não deve possuir uma direção única e vitalícia. Isso é extremamente nocivo ao desenvolvimento uniforme da universidade. Por mais dedicados e competentes, os membros de uma diretoria devem ser revezados de modo a assegurar a diversidade no desenvolvimento e administração da instituição.



Notem que mesmo que um grupo ou fundação esteja por trás da manutenção financeira da Universidade Espírita, o adjetivo espírita impõe o dever de bem administrar esses recursos em prol do bem comum. Isso só é atingido num regime de direção onde ocorre a sadia troca de dirigentes após obedecerem a um determinado mandato.



Já existem várias Universidades Espíritas funcionando no Brasil, todas elas com bastante empenho e dedicação de seus executores. Nossos comentários aqui visam o início de uma ampla discussão sobre o seu papel junto à sociedade e perante os objetivos nobres da divulgação da Doutrina Espírita. Neste aspecto, permitam-nos alguns comentários. Somos sempre tentados a supor que nós é que, de fato, ajudamos o próximo em seus problemas. Mas a grande verdade é que é o Espiritismo que orienta e ajuda as pessoas a crescerem. Nosso papel, independente de títulos e posições na sociedade, é tão humilde quanto o de um burro de carga que transporta o alimento e o remédio a locais onde são necessários (assim dizia Chico Xavier). Por isso, a questão Universidade Espírita merece bastante análise para que ela não se torne apenas mais uma instituição de ensino superior de natureza similar à privada e possa, sim, atrair mais pessoas para o que é mais importante para elas: a Doutrina Espírita.



Na próxima matéria discutiremos a importante questão sobre a validade ou não de estudos e pesquisas de caráter espiritualista e/ou esotérico dentro de uma Universidade Espírita. Apresentaremos limites e condições para que ela não se torne um local de aparência e encontros místicos.



Referências

[1] A. F. da Fonseca, O Espiritismo e a Universidade, Condições Necessárias mas não Suficientes (2004), Jornal Alavanca, 490, p. 3.

[2] A. F. da Fonseca, Universidade Espírita: Função e Componentes (2004), Jornal Alavanca 492, p. 3.



Artigo publicado no Jornal Alavanca n. 493, p. 3, 2004.

Universidade Espírita por Alexandre Fontes da Fonseca

Recentemente, tivemos a oportunidade de tecer comentários a respeito de algumas condições necessárias para a inserção do Espiritismo nos meios acadêmicos [1]. Aqui, pretendemos comentar e discutir o papel das chamadas universidades espíritas. O movimento espírita já conta com algumas universidades espíritas como a já bem estabelecida Unibem, Faculdades Integradas “Espírita” (http://www.unibem.br), e o recente projeto UniEspírito, Universidade Internacional de Ciências do Espírito (http://www.uniespirito.com.br). Este autor não tem conhecimentos profundos sobre ambas as universidades, além daquilo que elas mesmas divulgam em suas “homepages”, e não possui relações com seus dirigentes. Nossos comentários, aqui, serão feitos de forma geral sem qualquer menção ou referência a elas. Temos o intuito de contribuir com nossas humildes idéias baseadas em nossa experiência e vivência acadêmicas, inclusive internacionais, para um setor do movimento espírita que tem influência direta na sociedade sendo, por isso, de grande importância.



Gostaríamos de deixar claro que apoiamos todo e qualquer projeto que tenha objetivos nobres e que possam resultar no desenvolvimento, em algum nível, principalmente moral, da sociedade. Vamos aqui discutir dois aspectos, ao nosso ver, importantes para o sucesso de um projeto da ordem de grandeza de uma universidade: função e componentes.



Os aspectos morais deste projeto estarão garantidos na medida em que seus executores e componentes praticarem os ensinamentos morais, aqueles que caracterizam o homem de bem segundo o item 3 do capítulo XVII do Evangelho Segundo o Espiritismo [2]. Entretanto, nesta matéria, não nos preocuparemos com esse aspecto pois acreditamos que as pessoas que hoje estão envolvidas nesses projetos, conhecem muito bem a referência acima. Pretendemos discutir o lado social e profissional deste empreendimento que leva o nome de universidade, devido à grande importância de se inserir de forma ativa na sociedade. Muito dinheiro e muitos recursos, de todo o tipo, estão sendo usados e é preciso que questionemos se estes projetos estão fazendo jus a ambas denominações universidade e espírita. Mas para questionar e avaliar precisamos ter em mente, de forma bem clara, que tipo de critérios devemos adotar. Esta é, portanto, a nossa intenção: propor objetivos e critérios básicos que sirvam de referência de análise para os itens função e componentes das universidades espíritas. Levando-se em conta que a sociedade estará avaliando o trabalho do movimento espírita através desta instituição, esse assunto é de extrema importância, pois os objetivos de divulgação da filosofia espírita, por intermédio dela, dependem de sua eficiência.



FUNÇÃO DE UMA UNIVERSIDADE ESPÍRITA



Nem precisamos comentar que tudo o que leva o adjetivo espírita deve se pautar pelos princípios da Doutrina Espírita. Nem precisamos comentar que em qualquer atividade espírita todos os seus membros devem buscar a reforma íntima de acordo com os ensinamentos cristãos [1]. Espera-se de uma universidade espírita não só a busca por desenvolver projetos de pesquisa de interesse espírita, mas também que ela seja um verdadeiro exemplo de instituição social que segue fielmente as leis civis e as leis morais. No aspecto financeiro, ela deverá ser totalmente transparente, com objetivos e gastos muito bem divulgados para toda a sociedade de modo a mostrar que é possível trabalhar com honestidade e simplicidade.



Mas não é o aspecto financeiro o que queremos destacar. A palavra universidade tem um significado já bem estabelecido junto à sociedade. Mesmo o público leigo, em geral, tem concepções especiais sobre a universidade. As pessoas a olham como local de progresso, de geração de riquezas, de oportunidade e de estudo. Alguns a vêem como porta de entrada para uma carreira promissora e outros como a única solução para determinados males de saúde. Mas o que as pessoas desconhecem é que para ter esse “status” a universidade precisa realizar e manter determinadas rotinas de trabalho. A universidade precisa ter pessoas especializadas para o bom cumprimento dessas rotinas. A partir do momento em que um grupo de espíritas decide oferecer à sociedade uma instituição do porte de uma universidade, é mais do que necessário que ela busque corresponder às expectativas de todos os setores da mesma.



Uma universidade se caracteriza pela união de diversas faculdades e institutos responsáveis, cada um, por uma área do conhecimento. Uma universidade possui dois objetivos básicos: o ensino e a pesquisa. Como ensino, ela oferece cursos básicos em nível superior que preparam os indivíduos para a execução de determinados cargos e funções junto à sociedade. Ela ainda oferece, como extensão, cursos específicos voltados para o interesse de determinados setores da sociedade como a comunidade e industrias. Como pesquisa, a universidade realiza trabalhos de pesquisa de teor básico ou aplicado, sob o rigor científico de cada área específica, isto é, de acordo com os paradigmas de cada disciplina. As conseqüências dos trabalhos de pesquisa, mesmo os mais básicos, levam ao desenvolvimento da sociedade e do país seja através de novas tecnologias, seja através do aprimoramento da saúde e do desenvolvimento social.



Assim, a universidade espírita não deve apenas se preocupar com o aspecto espírita ou espiritualista de suas atividades. Ela deve buscar a criação de cursos que sejam reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) de modo a despertar o interesse da sociedade por adentrá-la. A universidade espírita, após criar os cursos, deve se preocupar sempre em aprimorá-los para estar tão atual quanto quaisquer outras universidades. Ela deve fazer planos de contratação de professores, com titulação mais elevada possível, para que o nível dos cursos se torne, cada vez mais, tão elevado quanto o das universidades públicas.



A universidade espírita deve se dedicar também à pesquisa. Porém, em nossa análise, ela não deve se dedicar apenas às pesquisas que relacionem a Ciência e o Espiritismo. É preciso mostrar à sociedade que os pesquisadores da universidade espírita são tão capazes de realizar pesquisas usuais quanto os de qualquer outra instituição similar. Na medida que os docentes e pesquisadores das universidades espíritas ganharem respeito e reconhecimento da comunidade científica, eles passam a ter respeito também com relação aos estudos e pesquisas de caráter e interesse espíritas. Não se conquista o respeito só com propagandas ou com afirmativas de peso. A divulgação de uma universidade espírita não é suficiente para obter respeito da sociedade para o seu trabalho.



Esse assunto precisa e merece ser bem analisado. Alguns companheiros poderão pensar que estamos atribuindo demasiado valor à opinião da sociedade. Mas o ponto que ressaltamos é que a criação da instituição social universidade requer que ela cumpra os requisitos para ser uma boa universidade. Enfatizamos que isso não impede que o interesse espírita esteja presente. Cada um de nós, no âmbito pessoal, possui uma profissão e realiza trabalhos na sociedade. Esses trabalhos garantem o pão de cada dia e ninguém faz do Espiritismo uma fonte de renda, aliás, por recomendação do próprio codificador. Mas cada um de nós espíritas, tem na Doutrina a orientação segura para que sejamos verdadeiros cidadãos não apenas perante a sociedade humana, mas perante as Leis Divinas. Uma universidade espírita é uma pessoa jurídica. Ela é uma instituição que tem um papel bem definido junto à sociedade. Ela precisa cumprir seu papel social e isso não significa perder sua identidade espírita. Portanto, isso justifica a nossa recomendação às universidades espíritas que busquem a excelência tanto no ensino quanto na pesquisa. Para isso, é preciso que em parte de seu tempo, ela se dedique a oferecer cursos e pesquisas usuais de modo a buscar seu espaço junto ao meio acadêmico.



Existem, ainda, outras vantagens em se buscar realizar pesquisas usuais, isto é, sobre assuntos não espíritas. Na medida em que os docentes se destacam em suas pesquisas, eles vão adquirindo méritos científicos para obter junto aos órgãos de fomento, financiamentos importantíssimos para a renovação e desenvolvimento da universidade. Na medida que esse dinheiro se torna disponível, as universidades espíritas poderão destinar parte de sua renda para as pesquisas genuinamente espíritas, para as quais, o preconceito impede a existência de financiamentos.



COMPONENTES DE UMA UNIVERSIDADE ESPÍRITA



Por componentes, queremos falar das pessoas que trabalharão para o bom andamento do projeto de uma universidade espírita.



Uma universidade possui docentes que, em geral, realizam trabalhos de pesquisa e funcionários que trabalham em todos os serviços técnicos e administrativos necessários e comuns a qualquer instituição. Em geral, em todo o mundo, os docentes cuidam da administração principal da universidade. Além de compor a direção geral da universidade eles dirigem as diversas faculdades, institutos e departamentos. No caso de uma universidade espírita, tais atividades podem ser divididas com outros profissionais com experiência administrativa.



Mas é imprescindível que as universidades espíritas busquem contratar docentes com titulação acadêmica, boa formação e currículo científico reconhecido através de publicações em revistas científicas internacionais que ateste a preparação dos mesmos para realizar pesquisas de nível e interesse internacionais. Isso não apenas servirá para divulgar a universidade espírita perante as comunidades internacionais, mas também permitirá que ela possa obter financiamento para modernizar sua infra-estrutura, liberando parcelas de seus próprios rendimentos para os fins sociais (custeio de estudantes carentes, por exemplo) e pesquisas espíritas.



Uma outra vantagem é a valorização dos cursos não só perante a avaliação do MEC mas com relação à opinião pública. Isso atrairá o interesse dos jovens para adentrar a universidade espírita e ajudá-la a crescer.



Existe ainda uma importante questão que surge com relação aos componentes de uma universidade espírita. Deve ela apenas aceitar funcionários e docentes/pesquisadores que sejam espíritas? Esse é um ponto importante. Um pouco da experiência das casas espíritas que mantém e administram atividades sociais como institutos de amparo assistencial, lojas para revenda de produtos doados, etc., mostram que não existe a necessidade de que os funcionários de serviços básicos, como os secretários, por exemplo, sejam espíritas. Mas a direção destes setores cabe a pessoas espíritas vinculadas ao centro ou casa espírita responsável pela atividade. Entretanto, permanece a questão se a universidade espírita deve possuir docentes/pesquisadores que não sejam espíritas. Isso será analisado e discutido posteriormente.



Em conclusão, gostaríamos de dizer que não nos consideramos detentores da verdade com relação ao exposto aqui. Apresentamos um ponto de vista baseados em alguma experiência acadêmica, mas não consideramos que esse ponto de vista seja o único.





Referências

[1] A. F. da Fonseca, O Espiritismo e a Universidade, condições necessárias mas não suficientes 2004, Jornal Alavanca 490, p. 3.

[2] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112a Edição, 1996.



Artigo publicado no Jornal Alavanca n. 492, p. 3, 2004.