quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Universidade Espírita: Docentes Espíritas

Por Alexandre Fontes da Fonseca
afonseca@if.usp.br

Em matérias anteriores [1,2] tivemos a oportunidade de comentar a respeito de alguns aspectos doutrinários e profissionais em torno da questão Espiritismo e Universidade. Em [1] discutimos a importância da vivência dos ensinamentos de Jesus como o principal ingrediente para que qualquer projeto espírita venha a ter sucesso. Em [2] comentamos o outro lado dessa questão onde ao invés da idéia de inserção do Espiritismo nas Universidades já bem estabelecidas, temos grupos espíritas criando Universidades Espíritas a se inserirem na Sociedade. Comentamos a necessidade da Universidade Espírita em se dedicar não somente aos estudos e pesquisas espíritas mas, também, ao ensino e pesquisa usuais, isto é, sobre assuntos científicos de caráter normal, sem aplicações espíritas. É através desses trabalhos que a Universidade Espírita despertará a atenção da sociedade como instituição séria e de respeito, o que favorecerá a divulgação das pesquisas de interesse espírita.



Ao desenvolver o assunto, um detalhe muito importante permaneceu sem discussão. Se trata dos componentes de uma Universidade Espírita. Já comentamos, em [2], que para realizar serviços mais gerais, de ordem administrativa de menos importância e de manutenção dos prédios e equipamentos, não é necessário que os funcionários destinados a estas funções sejam espíritas. Comentamos, também, que a Universidade Espírita precisa ter docentes e pesquisadores com experiência acadêmica. Como em toda instituição espírita séria, a diretoria de uma Universidade Espírita precisa ser formada por espíritas e os seus estatutos precisam resguadar o interesse espírita sob pena de desviar o projeto de seus objetivos iniciais.



Porém, ainda temos uma questão que precisa ser bem analisada antes de se tomar uma postura definitiva. Deve a Universidade Espírita só admitir docentes e pesquisadores que sejam espíritas? Vamos aqui apresentar vantagens e desvantagens, bem como alguns riscos e dificuldades que essa questão apresenta. Não apresentaremos conclusões pois é preciso que mais idéias sejam apresentadas e outros pontos de vista analisados.



DOCENTES ESPÍRITAS



Uma vantagem da contratação, apenas, de docentes espíritas é o fato de que os aspectos doutrinários e morais da vivência cotidiana dentro da universidade serão praticados muito mais em acordo com o Espiritismo do que se os mesmos não forem espíritas. Uma outra vantagem é a natural motivação para realizar pesquisas de interesse espírita. O docente espírita (aquele que teve formação acadêmica profissional) também se dedicará à pesquisa de interesse científico usual pois ela elevará o status da Universidade Espírita e atrairá recursos financeiros para futuras pesquisas. Como comentado em [1], o ambiente acadêmico abriga sentimentos desequilibrantes de orgulho e egoísmo e se isso é motivo de provação para os profissionais cientistas espíritas, a Universidade Espírita, como pessoa jurídica, deve se esforçar para minimizar, ao máximo, tais sentimentos, sob pena de vermos afastar de nós os amigos do plano superior. Nenhum de nós e nenhuma instituição tem o direito de exigir de ninguém a busca pela reforma íntima mas como nós espíritas temos consciência da importância disso, é natural que docentes espíritas busquem pautar seus atos pelo Evangelho.



Uma dificuldade atual que acreditamos irá reduzir com o tempo, é que o percentual de cientistas espíritas ainda é relativamente reduzido. Por cientista espírita estamos querendo dizer os cientistas que obtiveram ou estão obtendo titulação e formação em nível de pós-graduação nas Universidades bem estabelecidas e que estão trabalhando com pesquisa dentro de suas áreas de estudo. Outra dificuldade para a Universidade Espírita (mas não para o movimento espírita) é que, em geral, estes profissionais buscam se empregar em centros de pesquisa de excelência para poderem continuar suas atividades científicas. Isso nos leva a pensar que uma Universidade Espírita deve preparar uma estratégia, a médio e longo prazo, de atração e contratação de doutores para compor o seu quadro de pesquisadores. Ela deve também criar condições de infra-estrutura comparáveis às que as Universidades públicas possuem, de modo a não sobrecarregar o docente com muitas aulas, permitindo que ele(a) se dedique ao trabalho de pesquisa. Uma idéia interessante seria incentivar os atuais professores da Universidade Espírita a fazer cursos de doutorado junto às instituições de prestígio de modo a elevar o nível de titulação de seus professores e iniciá-los em uma linha de pesquisa material de interesse científico nacional e internacional.



Essa proposta, logicamente, requer a captação de recursos financeiros substanciais e isso é uma dificuldade natural que o movimento espírita possui. Os grupos e/ou fundações que estão por trás da manutenção das Universidades Espíritas devem formular estratégias que permitam, mesmo que aos poucos, a construção dessa infra-estrutura mencionada no parágrafo anterior.



Sempre existirá um risco de algum docente espírita deixar de sê-lo por diversas razões como tem acontecido com médiuns e pessoas conhecidas. Porém, além disso ser algo pouco comum, é possível minimizar essa possibilidade através da contratação de companheiros que tenham sólido conhecimento doutrinário e alguma experiência em atividades doutrinárias ou assistenciais nas casas espíritas.



DOCENTES NÃO-ESPÍRITAS



Uma vantagem no investimento em contratar professores doutores não-espíritas é o fato de se poder compor um quadro inicial de docentes num curto espaço de tempo já que existe um número elevado de doutores sem emprego. Eles certamente trarão suas experiências acadêmicas para o ambiente da Universidade Espírita mas a grande dúvida é como eles se portarão diante dos objetivos espíritas da mesma. Assim, o interesse nos estudos e pesquisas espíritas será reduzido e, logicamente, isso não é positivo para a Universidade Espírita. Desde que a figura de um professor é de grande importância para os alunos, professores não-espíritas passarão apenas seus valores particulares e mesmo sabendo que existem muitas pessoas boas que não são espíritas, sempre existirão alguns cujos valores pessoais são contrários aos ensinamentos espíritas.



DIREÇÃO DA UNIVERSIDADE ESPÍRITA



Para finalizar a nossa discussão, vamos ainda lembrar um importantíssimo aspecto da direção de uma universidade. Excetuando-se os grupos privados que detém os direitos e bens associados às suas faculdades e universidades privadas, uma Universidade Espírita não deve possuir uma direção única e vitalícia. Isso é extremamente nocivo ao desenvolvimento uniforme da universidade. Por mais dedicados e competentes, os membros de uma diretoria devem ser revezados de modo a assegurar a diversidade no desenvolvimento e administração da instituição.



Notem que mesmo que um grupo ou fundação esteja por trás da manutenção financeira da Universidade Espírita, o adjetivo espírita impõe o dever de bem administrar esses recursos em prol do bem comum. Isso só é atingido num regime de direção onde ocorre a sadia troca de dirigentes após obedecerem a um determinado mandato.



Já existem várias Universidades Espíritas funcionando no Brasil, todas elas com bastante empenho e dedicação de seus executores. Nossos comentários aqui visam o início de uma ampla discussão sobre o seu papel junto à sociedade e perante os objetivos nobres da divulgação da Doutrina Espírita. Neste aspecto, permitam-nos alguns comentários. Somos sempre tentados a supor que nós é que, de fato, ajudamos o próximo em seus problemas. Mas a grande verdade é que é o Espiritismo que orienta e ajuda as pessoas a crescerem. Nosso papel, independente de títulos e posições na sociedade, é tão humilde quanto o de um burro de carga que transporta o alimento e o remédio a locais onde são necessários (assim dizia Chico Xavier). Por isso, a questão Universidade Espírita merece bastante análise para que ela não se torne apenas mais uma instituição de ensino superior de natureza similar à privada e possa, sim, atrair mais pessoas para o que é mais importante para elas: a Doutrina Espírita.



Na próxima matéria discutiremos a importante questão sobre a validade ou não de estudos e pesquisas de caráter espiritualista e/ou esotérico dentro de uma Universidade Espírita. Apresentaremos limites e condições para que ela não se torne um local de aparência e encontros místicos.



Referências

[1] A. F. da Fonseca, O Espiritismo e a Universidade, Condições Necessárias mas não Suficientes (2004), Jornal Alavanca, 490, p. 3.

[2] A. F. da Fonseca, Universidade Espírita: Função e Componentes (2004), Jornal Alavanca 492, p. 3.



Artigo publicado no Jornal Alavanca n. 493, p. 3, 2004.

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